Maria Josefina em 1905
Título
Maria Josefina em 1905
Autor
António Carneiro
Técnica
Óleo sobre tela
Dimensões
50,4 cm x 30,3 cm
Assinatura
António Carneiro
Datado
Sim: (Leça) 1905
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Esta obra está integrada no MU.SA - Museu das Artes de Sintra.
Ver AQUI esta obra no Museu Virtual.
Representação de uma menina, em pé, descalça e encostada a uma parede ou muro. O chão, apenas num breve apontamento, tratando-se – eventualmente e como veremos – de areia. A posição sugere pose, uma vez que o braço direito descai acompanhando o corpo, enquanto que o esquerdo, arqueado, apoia a mão sobre a cintura, enquanto o olhar se dirige longamente sobre quem a pinta, e, por força disso, quem aprecia a obra. Quanto ao rosto, destacam-se os grandes olhos, o nariz longo e uma boca que se curva suavemente, conferindo óbvia serenidade a toda a expressão, enquanto os cabelos – castanhos escuros – caem sobre os ombros. As vestes são simples: uma blusa branca (esverdeada?) de mangas compridas, com dois botões fechados no decote, e, saia vermelha comprida (até à canela) com atilho à cintura – existindo duas listas horizontais de cor aproximada na base. A luz, vinda diagonalmente da esquerda para a direita, acentua-se pela sombra de todo o corpo, projectada sobre o fundo, o qual se divide horizontalmente entre um cinza e um branco sujo irregulares, demonstrando evidente degradação da parede (ou muro). A tela está assinada no canto inferior esquerdo.
Mais do que uma obra acabada – tanto pelo tratamento descomplexado, onde as cores se sobrepoem ao rigor das formas, quer pelo enquadramento, o qual não se revela uma prioridade para o pintor [os pés da menina (quase) tocam a base da tela] – estamos, aqui, em presença de um estudo. Não deixa, no entanto, de ser um trabalho que nos cativa, pela singularidade da criança, nomeadamente pelo seu rosto de surpreendente e introspectivo olhar. As cores do fundo (claro/escuro) e o dominante vermelho da saia também contribuem para o fascínio da obra.
Numa primeira análise, poderíamos supôr que, por estar descalça e com uma roupa simples, esta menina seria de origem humilde, local. Esta perspectiva não nos forneceria grandes pistas sobre o personagem retratado.
Porém, estamos em crer que existem fortes indícios para considerar que a menina em causa é a própria filha do pintor, Maria Josefina.
A presente tela foi produzida num dos muitos ‘ateliês’ de Carneiro, as praias de Leça da Palmeira, locais que, embora sendo de descanso e lazer, proporcionavam ao pintor “oportunidade de trabalhar” (1). Esta localidade tornou-se um destino de férias preferencial de António Carneiro e família, desde meados da primeira década (e até meados) do século XX. Assim, terá sido concebida num contexto familiar, justificando-se o traje menos aprumado e os pés descalços por se tratar de uma zona balnear.
Maria Josefina é a presença mais regular na obra de Carneiro (2), representada em retratos ou cenas do quotidiano desde bebé. Olhando para estes trabalhos e também para diversas fotos, encontramos semelhanças evidentes com esta menina: a expressão global do rosto, os cabelos, o profundo olhar, o nariz longo, a boca e até uma típica covinha no queixo.
A filha terá proporcionado ao pintor a oportunidade de pintar a figura feminina, uma vez que não é temática que tenha apreciado (3). Este é um facto a ter em conta na análise deste quadro, contribuindo ainda para o que temos vindo a afirmar, a data, 1905, altura em que Maria Josefina teria cerca de sete anos, idade crível quanto à criança representada.
(1) CASTRO, Laura, Pintores Portugueses, Lisboa, Edições Inapa, 2004.
(2) Idem, p. 93.
(3) Idem, p. 106.
Maria Josefina em 1905
Título
Maria Josefina em 1905
Autor
António Carneiro
Técnica
Óleo sobre tela
Dimensões
50,4 cm x 30,3 cm
Assinatura
António Carneiro
Datado
Sim: (Leça) 1905
Representação de uma menina, em pé, descalça e encostada a uma parede ou muro. O chão, apenas num breve apontamento, tratando-se – eventualmente e como veremos – de areia. A posição sugere pose, uma vez que o braço direito descai acompanhando o corpo, enquanto que o esquerdo, arqueado, apoia a mão sobre a cintura, enquanto o olhar se dirige longamente sobre quem a pinta, e, por força disso, quem aprecia a obra. Quanto ao rosto, destacam-se os grandes olhos, o nariz longo e uma boca que se curva suavemente, conferindo óbvia serenidade a toda a expressão, enquanto os cabelos – castanhos escuros – caem sobre os ombros. As vestes são simples: uma blusa branca (esverdeada?) de mangas compridas, com dois botões fechados no decote, e, saia vermelha comprida (até à canela) com atilho à cintura – existindo duas listas horizontais de cor aproximada na base. A luz, vinda diagonalmente da esquerda para a direita, acentua-se pela sombra de todo o corpo, projectada sobre o fundo, o qual se divide horizontalmente entre um cinza e um branco sujo irregulares, demonstrando evidente degradação da parede (ou muro). A tela está assinada no canto inferior esquerdo.
Mais do que uma obra acabada – tanto pelo tratamento descomplexado, onde as cores se sobrepoem ao rigor das formas, quer pelo enquadramento, o qual não se revela uma prioridade para o pintor [os pés da menina (quase) tocam a base da tela] – estamos, aqui, em presença de um estudo. Não deixa, no entanto, de ser um trabalho que nos cativa, pela singularidade da criança, nomeadamente pelo seu rosto de surpreendente e introspectivo olhar. As cores do fundo (claro/escuro) e o dominante vermelho da saia também contribuem para o fascínio da obra.
Numa primeira análise, poderíamos supôr que, por estar descalça e com uma roupa simples, esta menina seria de origem humilde, local. Esta perspectiva não nos forneceria grandes pistas sobre o personagem retratado.
Porém, estamos em crer que existem fortes indícios para considerar que a menina em causa é a própria filha do pintor, Maria Josefina.
A presente tela foi produzida num dos muitos ‘ateliês’ de Carneiro, as praias de Leça da Palmeira, locais que, embora sendo de descanso e lazer, proporcionavam ao pintor “oportunidade de trabalhar” (1). Esta localidade tornou-se um destino de férias preferencial de António Carneiro e família, desde meados da primeira década (e até meados) do século XX. Assim, terá sido concebida num contexto familiar, justificando-se o traje menos aprumado e os pés descalços por se tratar de uma zona balnear.
Maria Josefina é a presença mais regular na obra de Carneiro (2), representada em retratos ou cenas do quotidiano desde bebé. Olhando para estes trabalhos e também para diversas fotos, encontramos semelhanças evidentes com esta menina: a expressão global do rosto, os cabelos, o profundo olhar, o nariz longo, a boca e até uma típica covinha no queixo.
A filha terá proporcionado ao pintor a oportunidade de pintar a figura feminina, uma vez que não é temática que tenha apreciado (3). Este é um facto a ter em conta na análise deste quadro, contribuindo ainda para o que temos vindo a afirmar, a data, 1905, altura em que Maria Josefina teria cerca de sete anos, idade crível quanto à criança representada.
(1) CASTRO, Laura, Pintores Portugueses, Lisboa, Edições Inapa, 2004.
(2) Idem, p. 93.
(3) Idem, p. 106.
Maria Josefina em 1905
Uma das visitas mais aclamadas no século XIX português foi a do poeta inglês, Lord Byron. Boémio e rendido aos ideais românticos, cedo se encanta por Sintra, lugar que classifica como um “glorioso Éden”. Byron não está só nesta paixão. O século é profícuo em visitantes estrangeiros, anónimos e ilustres – Hans Christian Andersen, Beckford, … – os quais se rendem a essa ideia da Sintra luxuriante, de ambiente fantasioso e muitas vezes esotérico. Boa parte desta plêiade de viajantes deixará um legado artístico e literário, a exemplo do que acontece com os portugueses – Silva Porto, Henrique Pousão, João Cristino da Silva, Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, etc. –, referindo Diogo Macedo, acerca dos pintores, que “aos Românticos se deve o melhor quinhão dessa tarefa” (1). Sendo verdade que, em oitocentos, a arte com temática sintrense deriva sobretudo de tal fascínio exercido sobre os românticos, quer no conhecido conjunto de gravuras de então, quer nos exemplos de pintura registados no património artístico municipal, não podemos esquecer que ainda assim existem diferentes abordagens. Tomemos em consideração a obra em análise, Caminho de Monserrate, de Hoffmann, e A Estrada da Pena, de João Cristino da Silva. Esteticamente, as duas obras enquadram-se nos pressupostos do Romantismo português: a Natureza, o retrato do quotidiano, a tradição e essa misteriosa ruralidade que se descobre aos olhares urbanos dos artistas, aliados ainda a um ícone do romantismo, o Palácio da Pena. Porém, a obra do pintor português parece-nos mais idealizada, construindo todo um cenário idílico, suportado numa gravura de época e eliminando o que julga acessório (no caso, parte da muralha circundante de acesso ao Castelo dos Mouros). [ver ficha no museu sobre Estrada da Pena, de João Cristino da Silva] Na pintura de Hoffmann, detectamos esse cunho acentuado de mistério, de paisagem fantástica, que tanto cativou os românticos, mas também uma obra de acentuado pormenor. O pintor inglês capta não só o quotidiano das gentes saloias, num conjunto de pessoas que dão vida à estrada que dá vida e nome ao quadro, mas também toda uma paisagem envolvente, sobressaindo desde logo dois apontamentos que se destacam: as ruínas do Palácio de Monserrate que havia sido edificado em finais do século anterior e, no topo da Serra de Sintra, o recente Palácio da Pena. Embora também carregada de uma idealidade romântica, Hoffmann retira partido de todos os pormenores, não optando por eliminar elementos arquitectónicos (como o fez Cristino da Silva). Monserrate surge, não como elemento dominador de toda a composição – apanágio da pintura neo-clássica, fascinada pelas ruínas advindas do fervor arqueológico iniciado no século XVIII –, mas sim enquanto apontamento de um certo encanto esotérico, de mistério. Apontamento este que contrasta com a nova jóia arquitectónica sintrense, o imponente Palácio da Pena, também carregado de mistérios, fruto da sua diversificada e fascinante teia de estilos revivalistas, elegantemente cruzados entre si, que nos é dado apenas num pequeno esboço indicativo da sua presença ao longe. Esta pintura será seguramente uma das primeiras obras que retratam o Palácio da Pena, terminado dois antes, tendo em atenção a data do quadro. No entanto, não deixa de ser curioso que, à esquerda, a grande torre cilíndrica e respectiva cúpula não surja, estando no seu lugar um pormenor arquitectónico que sugere um telhado pontiagudo. Face à datação da tela – posterior à conclusão do palácio, em 1847 –, podemos estar em presença apenas de um apontamento pouco pormenorizado, sendo de lembrar que a imagem deste monumento não era o ícone que hoje é, podendo o artista ter dúvidas quanto à sua silhueta, em virtude do distanciamento. Ou, muito provavelmente, pode a obra resultar de gravuras ou estudos previamente efectuados, aquando da construção do edifício mandado projectar por D. Fernando II ao barão de Eschwege. Embora seja, como nos diz Vítor Serrão, uma “composição, bem caracterizada no seu Romantismo” (2), com todos os seus idealismos ou possíveis inexactidões – por forma a conferir o aspecto de paisagem idílica própria dos românticos –, estamos em presença de uma vista panorâmica de Sintra, eventualmente da zona de Eugaria (Colares), que, para além de toda a natural importância artística, se assume como notável documento gráfico para a compreensão da História local. Luís Cardoso [coordenador da Colecção Municipal de Arte entre 2004 e 2010] (1) MACEDO, Diogo, Sintra, catálogo de exposição, Gulbenkian,1950 (2) SERRÃO, Vitor, Sintra, catálogo de exposição, Câmara Municipal de Sintra,1982
OBRA EM DESTAQUE 1
Um retrato entre o idílico e o real
Uma das visitas mais aclamadas no século XIX português foi a do poeta inglês, Lord Byron. Boémio e rendido aos ideais românticos, cedo se encanta por Sintra, lugar que classifica como um “glorioso Éden”. Byron não está só nesta paixão. O século é profícuo em visitantes estrangeiros, anónimos e ilustres – Hans Christian Andersen, Beckford, … – os quais se rendem a essa ideia da Sintra luxuriante, de ambiente fantasioso e muitas vezes esotérico. Boa parte desta plêiade de viajantes deixará um legado artístico e literário, a exemplo do que acontece com os portugueses – Silva Porto, Henrique Pousão, João Cristino da Silva, Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, etc. –, referindo Diogo Macedo, acerca dos pintores, que “aos Românticos se deve o melhor quinhão dessa tarefa” (1). Sendo verdade que, em oitocentos, a arte com temática sintrense deriva sobretudo de tal fascínio exercido sobre os românticos, quer no conhecido conjunto de gravuras de então, quer nos exemplos de pintura registados no património artístico municipal, não podemos esquecer que ainda assim existem diferentes abordagens.
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